Exercício aeróbio queima gordura e não emagrece. Entenda. Parte II


      O organismo humano é uma máquina complexa especializada em sobrevivência. Para tanto, ele reage adaptando-se de maneira aguda ou crônica ao ambiente a que é exposto, como estímulos, terapias e qualquer dificuldade ou facilidade. Por exemplo, quando se vive ou se está em grandes altitudes, a produção de hemoglobina é aumentada a fim de compensar a menor quantidade de oxigênio no ar. Outro exemplo é a utilização de testosterona, o organismo identifica a grande quantidade de hormônio e reduz ou cessa sua produção temporária ou definitivamente. Quer mais? Quando a temperatura do ambiente sobe, mensagens para liberar calor e assim manter a temperatura corporal adequada são liberadas. Astronautas que passam longos períodos em microgravidade perdem muita massa muscular, uma vez que sem a pressão da gravidade, os astronautas fazem menos força e o organismo dispensa proteínas contrateis por não serem mais necessárias. Em fisiologia, estas respostas são chamadas de feedback negativo. O mesmo acontece com o exercício. Ele se adapta para melhor desempenhar a atividade para a qual tem sido exposto, pois entende tratar-se de uma questão de sobrevivência. 

      É fundamental ter em mente que nosso corpo não sabe que estamos em 2017 e queremos emagrecer para o próximo Carnaval. Anatomicamente, somos os mesmos (Homo sapiens) há cerca de 200 mil anos (Bradshaw, 1997) e a parte do DNA ligada ao metabolismo não muda há 50 mil anos (Vigilant, 1991).
Como mostrei no post anterior, durante o exercício aeróbio de longa duração, queima-se prioritariamente gordura. 
Agora vem a chave da questão! Quando realizamos momentos de atividade em alta intensidade intercalados por breves intervalos (HIIT), queimamos carboidratos. Quando realizamos musculação, danificamos ou perdemos proteínas contráteis, ou seja, MÚSCULO! 


      A pergunta que faço é: qual atividade é amplamente recomendada para o aumento da massa muscular? R.: Musculação. Mas prof, vc não acabou de falar que ela "queima" músculo durante a sessão? Sim, mas APÓS o treino começa um processo de recuperação e supercompensação (alteração na síntese proteica), de modo que o organismo irá aumentar gradativamente sua massa muscular a cada treino, desde que seja concedido o devido descanso. Isso acontece porque o corpo "entendeu" que é de músculo que você precisa para levantar peso (musculação). O mesmo acontece com o aeróbio. Você usa gordura para sustentar esta atividade, certo? Após a atividade, o organismo irá direcionar seus esforços para repor o que utilizou e ainda te dar um pouquinho a mais. Duvida deste efeito com o aeróbio? Veja!

      O estudo de Kump e Booth (2005) em ratos mostrou que 10h após a realização de atividade aeróbia, os ratinhos tinham sintetizado 79% a mais de gordura para armazenamento do que os que não realizaram a atividade. Mais ainda, 53h depois do exercício, a formação de tecido adiposo foi 5 vezes maior nos animais que fizeram a atividade aeróbia quando comparados com os sedentários!
Diversos experimentos como de Craig et al. (1983), Lambert et al. (1994), Kump et al. (2006) entre outros, verificaram aumento significativo nas reservas de gordura, evidenciando a supercompensação deste substrato.

Portanto, com base no raciocínio de catabolismo e supercompensação exposto por Gentil (2014) e nas evidências científicas, o objetivo de um treino de emagrecimento deve ser "enganar" o organismo, utilizando proteínas (musculação) e carboidratos (HIIT) em treinos curtos e intensos, atacando assim o mínimo possível de gordura DURANTE o treinamento, passando a seguinte mensagem para o organismo: preciso de músculos e glicogênio, dispense o excesso de gordura pois não a utilizo. 

Felipe

BRADSHAW, J. L. Human evolution: a neuropsychological perspective, 1997.

CRAIG, B. W.; THOMPSON, K.; HOLLOSZY, J. O. Effects of stopping training on size and response to insulin of fat cells in female rats. Journal of Applied Physiology, v. 54, n. 2, p. 571-575, 1983. 

KUMP, D. S.; BOOTH, F. W. Sustained rise in triacylglycerol synthesis and increased epidydimal fat mass when rats cease voluntary wheel running. Journal of Physiology, v. 565, n. pt 3, p. 911-925, 2005.  

KUMP, D. S.; LAYE, M. J. BOOTH, F. W. Increased mitochondrial glycerol-3-phosphate acyltransferase protein and enzyme activity in rat epididymal fat upon cessation of wheel running. American Journal of Endocrinology and Metabolism, v. 290, n. 3, p. E480-489, 2006.

LAMBERT, E. V. et al. Enhanced adipose tissue lipoprotein lipase activity in detrained rats: independent of changes in food intake. Journal of Applied Physiology, v. 77, n. 6, p. 2564-2571, 1994.

VIGILANT, L. et al. African populations and the evolution of human mitochondrial DNA. Science, v. 253, n. 5027, p. 1503-1507, 1991.


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Felipe Piacesi

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15 comentários:

  1. Nossa!Depois dessa explicação parece tão óbvio, fico me perguntando pq nunca parei pra pensar nisso antes rss. Parabéns pelo blog!!

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    1. rsrsrs Você não é a única, Deborah! Muito obrigado! Participe mais vezes!

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  2. Caramba! Esse post me fez quebrar alguns paradigmas sobre os tipos de atividade física e seus efeitos sobre o organismo. Vamos conversar mais. Abraços.

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    1. O ponto é: o efeito agudo e o efeito crônico dos exercícios/atividades físicas. Tamo junto Abel Sunguinha!

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  3. Achei bem interessante a explicacao, mas nao consigo entender como q os corredores sao tao magros?

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    1. Obrigado pela participação!
      Essa é uma pergunta bem recorrente e interessante, fique de olho, farei um post para explicar!

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  4. Desculpe a ignorância da pergunta mas como é o processo pelo qual o hiit queima carboidratos?
    Obrigada e parabéns pelas publicações

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  5. Olá, obrigado!
    Ocorre que o exercício de alta intensidade demanda prioritariamente vias glicolíticas para ser sustentado. Procure na web por "substratos energéticos e intensidade do exercício". Na aba imagens vc entenderá. Abs, apareça mais vezes.

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  6. Estou me sentindo enganada durante a vida toda, sempre fui gordinha e sempre que foco em emagrecimento e vou para a academia, ouço a mesma coisa: você precisa de exercício aeróbico... :(

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    1. Os professores são mal formados e pouco interessados em atualizações, infelizmente. A ideia do balanço calórico é interessante pra quem vende gêneros alimentícios que não prezam pela qualidade... É muito mais fácil informar as calorias na embalagem, ou a redução de calorias do que fornecer alimentos frescos e naturais...

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Mas, professor, eu conheço gente que começou a correr.... e emagreceu!

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    1. Tem que ver quais outras medidas elas tomaram... Muito comum é começar a se exercitar e melhorar a alimentação. Corta refri aqui, diminui o arroz ali, passa a dormir melhor, diminui o estresse... ;-)

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  9. Imaginemos a seguinte situação: o sujeito começa a correr sem alterar em nada sua dieta. Mui provavelmente, ele vai gerar um déficit calórico que o fará emagrecer. Não é isso o que costuma acontecer?

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